sexta-feira, 27 de abril de 2007

FUTEBOL AMIGÁVEL

FUTEBOL AMIGÁVEL

Relato os pontapés e os furos

Que se deram e fizeram entre si

Os vinte e tal “soltos” e “atados” duros

No campo oficial do Victória Daqui.

Foi no histórico – a partir d’agora

Pretérito desde ontem de Dezembro

Falecido Domingo que já hoje se chora

Pelas quinze e vinte horas, como lembro.

O feito assinala-se: Ausência de chuva

Algumas nuvens no firmamento

Porém a expectativa não se turva

E em campo se vê um ou outro elemento

De repente soa um silvo cristalino

Vinte e cinco rostos pensativos

Se postam em sentido repentino

Outro silvo e eis todos activos

Há fotos e troca de impressões

Bem como incertos arremessos

Não há vaticínios, não tiram conclusões.

Correndo o esférico pelos toques impressos.

O capitão do team dos casados

Recebe de gentil senhorinha

Um ramo envolto nos frizados

De suculenta folha de couve “tronchinha”

Audazes e valentes os adversários

Postos em movimento, logo se aferram.

Ao jogo quais antigos corsários

Em assalto destemido, a bola enterram

No campo alheio em duro castigo

Procurando atravessar os fundos do inimigo.

VII

Pois quarto tento de Bentubo Lima

Faz que na primeira parte ganhe

A equipa dos casados – por cima

E uma salva de palmas ainda apanhe

Como corôa de merecidos feitos

Fazendo “alevantar” os magros peitos.

VIII

Mereceram honras de comportamento

Pela actividade desenvolvida

Doutor Ferreira, Capitão Ribeiro, Sargento,

Cujo nome de Matos lhe dá vida

E outros heróis mal conhecidos

Dos assistentes pouco sabidos.

IX

Outros portentos foram e actuaram

Com brilho, denodo e bravura

Almeida e Brandão como notaram

E também Arruda, estiveram à altura

Do rijo combate disputado

Naquele campo semi-relvado.

X

Os últimos quarenta e cinco minutos

Foram de mais brilho para a solteirada

Que não tendo visto da luta os frutos

Voltavam à lide bastante desanimada.

Os êxitos dão aquela doce leveza

Que fez os casados deixar a defesa.

I

Assim avultam em fervor combativo

Alexandrino, Domingues e Sargento,

Dianteiros casados de antigo cultivo

Que ao redondo deram bom andamento

Coadjuvados pelos médios Ferreiras,

Ribeiro, Pedro Gomes, outras barreiras.

II

Corte Real em veloz retardador intercepta

Ataques não menos velozes de Ceguinho,

Portocarrero e José Luiz, qual asceta

Conjurando males do Zé-Povinho

Garantindo assim a integridade

Do reduto à sua responsabilidade.

III

Numa arrancada de peso bem medido

Tenente Correia mete o primeiro tento

Cunha defesa dos Solteiros batido -

mas não convencido, fica bem atento.

Porém contra ingentes investidas sofridas

Não há fraquezas que não sejam consentidas.

IV

Dos Casados o guardião rejubila

Por seguro se sentir no posto seu

E não pensa que a Bola – qual Sibila

Tentadora – a todo o Poder cedeu

E mais confiante se mostra o “Fino”

Quando outro golo marcou Alexandrino.

V

Amarelos sorrisos desfecham os solteiros

Quando Alferes Ferreira outra bola metera

Pedro Gomes cede a vez que tivera

A alguém cujo nome não nos ocorre

E redobra de alma a peleja que decorre.

VI

E então entram novos valores

Que mantém dos casados o prestígio

Bem como dos solteiros os rubores

Pelo desaire que lhes dá o litígio

Se bem que não é caso de foguetear

Os casados começam a alardear.

XI

Por quatro golos já ganhavam

Os casados de justiça havida

Contra zero que ainda marcavam

Os solteiros – Ah! Pai da vida!

Quando se deu violenta reação

Por discutido “córner” em marcação.

XII

Foi tal o abuso de confiança

Que segundo tento foi nascido

Dum penalty, sem esperança

Duma mão-madrasta parido

E apesar do quinto furo marcado

O team solteiro empatou com o casado.

XIII

Aos não cantados directamente

Como bom amigo aconselho bem

Que nunca se entristeça a gente

Com as alegrias dos Ninguém

Basta para não ficar entristecido

Lembrar-se do Soldado Desconhecido.

Silva Porto, 15/12/1958.

H. de Freitas

(Relator contratado verbalmente)

terça-feira, 17 de abril de 2007

Memórias de um Bancário

(Os personagens são fictícios, embora, os factos sejam reais. Abrange os anos lectivos de 1935/1936 até 1938/1939).

Para mim e para todos os ferrugentos, nados e criados em Angola, o achar um emprego, era uma autêntica fortuna. Um rebuçado que poucos tinham a sorte de chupar.

E, ir além da 4ª classe primária, até aos anos de 1940, era obra para gigantes das classes humildes – trabalhadores braçais, agricultores –. Ou eram isso mesmo ou não eram nada.

Embora me esteja a cingir a factos que decorreram nas Colónias Portuguesas, devo, em abono de elementar justiça, informar os possíveis leitores de que a distinção de classes e o apuramento de elites sociais, não eram coisa peculiar dos portugueses. Tratava-se sim dum imperativo das “consciências da época”. Era assim em Portugal e era também na Suécia, etc. etc.

Até àquele ano longínquo 1935, mercê de homens ilustrados idos para a Huíla (Lubango) e até residentes, civis e militares – patriotas ardentes e dedicados, até ao sacrifício das mais caras regalias, começaram a despontar Escolas Primárias, de Artes e Ofícios e até Escola Primária Superior, oficialmente criadas e dotadas. As Artes e Ofícios (também chamadas laicas) destinavam-se, essencialmente, à instrução e aprendizagem de ofícios de arte comum: alfaiates, carpinteiros, serralheiros, mecânicos, etc., para órfãos e para todos os naturais que o desejassem sem quaisquer encargos para as suas bolsas.

Estas escolas laicas estavam providas de docentes excepcionalmente conhecedores e dedicados. Ensinavam quanto podiam e sabiam. E muitos milhares de operários negros e chefes de oficina delas saíram e se lançaram com êxito na vida. Porém, as Missões Católicas, também prepararam centenas e centenas, porque a sua acção vinha já de dezenas de anos antes e com vantagem, visto ministrarem conjuntamente a Religião.

As Missões laicas ou Escolas laicas foram uma tentativa para substituírem as Missões Religiosas que, entretanto, começaram a ser, também, Protestantes - Evangélicas, Adventistas e Sabatistas.

Apesar da existência da Igreja Católica ser mais antiga e, embora o ecumenismo não fosse coisa prevista, é de realçar o civismo que caracterizou ao longo de tantos anos a coexistência pacífica das seitas religiosas... naquele ultramar...

A acção missionária era heroicamente trabalhosa e poucos portugueses, mesmo os de lá, se aperceberam disso. Há santos que talvez nunca sejam canonizados, que morreram devido a terem ido, tão cheios de espírito de entrega que, desde que chegaram, nunca mais deram uma única hora de descanso ao corpo.

Pessoalmente, conheci um, de nacionalidade francesa, Padre Florêncio. Com pouco mais de 23 anos lançou-se através das montanhas da Chela, às senzalas mais recônditas, arrastando as vestes paramentais e o viático sobre uma bicicleta, passando longos dias e noites sem regressar à Missão. Tentava abarcar e ganhar todas as almas ao mesmo tempo dos Muilas e dos Mucubais. Não resistiu a tanto fogo interior e lá ficou no cemitério da Missão. Para muitos terá sido um simples vulto que perpassou. Para mim foi um exemplo de humildade e de entrega impressionante, indelével. Sem que para isso tenha feito qualquer esforço, influenciou-me a pontos de lhe dever a possibilidade de estar a trazer à luz toda a minha obscura existência de profissional, pois aos 12 anos, depois do exame de admissão, pedi permissão ao meu Pai para ir aprender uma profissão e, como as possibilidades paternas eram muito anémicas e a Missão Católica do Tchivinguiro possuía, para os filhos dos negros da região, oficinas de aprendizagem de alfaiataria, sapataria, serralharia eu iria escolher e trabalhar numa delas. Foi então, que o bom Padre Florêncio me emprestou um livro para eu ler. Li-o em uma semana. Era volumoso. Quando lho devolvi e lhe referi algumas passagens do mesmo, disse-me apenas: “Vais continuar a estudar”.

Fui então transferido para a Missão da Huíla e até comecei a freqüentar, já por conta da Missão, uma Escola Preparatória para o Ensino Secundário. Já com 14 anos de idade fui submetido a provas e passei para o 3º ano com uma boa classificação em Latim, História e Português. Mas este estabelecimento não dava equivalência ao Ensino Oficial.

Entretanto, a fuga da Missão de dois alunos e o isolamento dos restantes, incluindo-me, modificou o curso da minha vida...

(O relato fica por aqui e deve ter sido escrito já nos anos oitenta).

domingo, 15 de abril de 2007

Um Natal dos Anos 25

Lá onde nasci o Natal não é branco! É antes verde; mas um verde muito variado e muito atraente!

Quando a seca acontece e, infelizmente, é um facto periódico, cíclico, mas sem datas certas, é que o verde matizado com algumas flores de côr rósea e branca, se torna menos verde, mas não menos agradável! E, em alternativa daquilo que falta ao campo e à floresta, em muitas casas surgem searas miniaturais em pequenos vasos – tijolos ou malgas de barro – com um viço próprio.

Naquele dia de férias, de felicidade e de esperança, o sol nasceu radioso e foi subindo num céu excepcionalmente límpido, puro, com uma profundidade azulínea que prendia!

Cerca do meio-dia, uma sombra leve emerge lá longe do poente e começa a multiplicar-se, a expandir-se, a engrossar com uma rapidez inaudita. Em poucos minutos o tecto celestial baixou e fez escurecer crescentemente o ambiente! De repente, raios de luz vivíssima cortaram a negritude das nuvens que evoluíam, enrolando-se, distendendo-se silenciosa, mas assustadoramente! A trovoada que, primeiro se ouvia ao longe, rebentava, agora, sobre as nossas cabeças como se fossem canhões de grosso calibre!

Aterrados, os miúdos, rodeamos a nossa Mãe, também muito apreensiva com aquela ameaça real. – Vão para cima da cama, disse minha Mãe, - e cobriu-nos até meio corpo com um cobertor de papa – e rezem!... Por esta altura, ninguém se podia fazer ouvir, tal o banzé que a chuva fazia a bater no zinco da casa que era de adobe! Ruído aumentado cada vez que sucedia uma rajada de vento! Eram autênticas pedradas e só se percebia que trovejava por, de vez em quando, estremecer a casa e o chão...

“Após a tempestade vem a bonança”

Este temporal durou cerca de meia hora! Ainda atordoados, corremos para o terreiro. Um som surdo e suave descia pela encosta do monte sobranceiro à casa e o característico som de água corrente pelos socalcos de terreno dava-nos a impressão de tudo estar a descontrair-se!

Mas o espectáculo mais impressionante desenhava-se por todo o lado e, mais saliente em volta da nossa velha e resistente casa do campo – O Tchaiombo. ([1]) Montes e montes de gelo envolviam as paredes exteriores, o que explicava as mossas e rombos que o zinco sofreu! Logo começamos a explorar o gáudio que oferecia à nossa irrequieta imaginação aquela dádiva da natureza! Brincamos com um elemento natural até aí desconhecido! Evidente é que já tínhamos conhecimento do que era o granizo. O que nunca tínhamos visto foi em tanta quantidade!

Para a criançada foi uma autêntica festa de Natal como nunca mais tivemos! Porém, o reverso da medalha: o resultado sobre a flora, a fauna e as culturas em geral foi simplesmente aterrador! Árvores de grande porte caídas e arrancadas pelas raízes; outras completamente desfolhadas ou queimadas pelas faíscas, algumas caídas muito perto da casa!... Galinhas que não tiveram tempo de entrar no galinheiro; pombas, rolas e coelhos adultos e muitos outros animais domésticos, morreram!

Felizmente, não houve casos mortais entre nós e a população indígena que vivia a pouca distância. Procuramos saber de todos e, a não ser o aspecto acinzentado com que nos aparecia um ou outro menos conformado com o acontecido, estavam todos de boa saúde.

Não ornávamos árvores, nem tínhamos iluminação eléctrica, nem brinquedos sofisticados como hoje existem! Apenas um modesto presépio com as figuras essenciais e presentes ao sabor das habilidades de cada um, artesanais. O resto dos enfeites eram vasinhos com trigo, milho, centeio e frutas do tempo.

Honorato Gonçalves Henriques de Freitas

Lisboa, 21/11/1990.


[1] Casa grande, no dialecto da Huíla.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

A PERA DA MÃE

(Uma brincadeira poética)

Era amarelinha e tinha sido provada

Antes de mim por um insecto gulosíssimo

E embora ninguém soubesse reservada

Para ser da mãezinha manjar finíssimo.

Era uma pêra especial

E quem a comeu logo

Foi o Pai que por sinal

Até ia ficando com gôgo.

...

Honorato Gonçalves Henriques de Freitas

quarta-feira, 11 de abril de 2007

QUERIDOS FILHOS

As dores físicas não são as maiores!

Quem as provoca, por Amor, sofre mais!

Quem perdoa é mais forte, se for sem rancores

E sem recalcamentos incondicionais.

¥

Essas feridas que tendes no peito, duras

Se as considerarem à luz do Amor

Verão nelas, não o opróbrio, mas ternuras

Não umas nódoas: mas uma bela flor.

¥

E se nestes breves momentos da vida,

Não souberem colhê-la... é uma pena!

Deixarão rasgar a ténue teia tecida.

¥

Pela humana condição que nos acena

Frágil, quebradiça e até pervertida

A pontos de uma acção irreflectida.

Lisboa, Julho de 1985.

Honorato Freitas

terça-feira, 10 de abril de 2007

DEDICAÇÃO

(À minha mulher 40º aniversário)
Lisboa, Dezembro de 1990।
Poemeto Na nossa vida, Querida! Houve uma linha indelével avivada a cada momento pelo passado carcereiro! Mas ... sem passado não há vida nem vida sem passado... Essa linha-traço mantém-se a unir o que de outra forma era impossível aceitar; a amena, suave, tranquila harmonia com que se vão repetindo nossos dias com aquele traço a que chamarei de Amor।